Mattel e OpenAI levam IA aos brinquedos: o que muda?
Mattel anunciou em 16 de junho de 2025 uma colaboração estratégica com a OpenAI para inserir modelos de linguagem generativa em futuras linhas de brinquedos e em todo o ciclo de desenvolvimento interno da companhia. Segundo as empresas, a meta é oferecer “experiências mágicas” que combinem diversão e tecnologia, mantendo a segurança e a privacidade das famílias como prioridade.
A iniciativa faz eco à polêmica Hello Barbie, boneca falante lançada em 2015 que gravava diálogos infantis e gerou alertas de especialistas em cibersegurança. Desta vez, a Mattel afirma que os produtos serão direcionados apenas a usuários com 13 anos ou mais e que haverá camadas adicionais de proteção de dados, mas analistas lembram que os desafios técnicos e regulatórios continuam enormes.
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Como a parceria foi anunciada
O acordo foi tornado público por meio de um comunicado oficial e reforçado por representantes de ambas as companhias durante a conferência Code 2025, na Califórnia. De acordo com Mattel, o contrato prevê acesso à API da OpenAI, à infraestrutura do ChatGPT Enterprise e a ferramentas de geração de multimídia em fase beta. “Estamos empolgados em adicionar uma camada de imaginação ilimitada aos nossos brinquedos”, disse o CEO Ynon Kreiz, destacando que o objetivo é “unir brincadeira, aprendizado e segurança em um único pacote”.
“A inteligência artificial pode ampliar o poder da narrativa infantil, desde que utilizada com responsabilidade.”
Ynon Kreiz, CEO da Mattel
Por parte da OpenAI, Brad Lightcap, COO da empresa, afirmou que “o contexto lúdico cria um laboratório perfeito para testarmos modelos de linguagem em interações curtas, emotivas e altamente auditadas”. A Big Tech assumiu o compromisso de fornecer filtros de conteúdo sob medida para faixas etárias específicas.
Lição dolorosa: o caso Hello Barbie
Lançada em 2015, a Hello Barbie prometia conversas realistas graças a um microfone embutido e reconhecimento de voz baseado em nuvem. Em poucos meses, pesquisadores descobriram vulnerabilidades que permitiam interceptar dados de áudio e localização da boneca. A campanha “#NoTechForKids” pressionou a Mattel a rever o projeto, que acabou descontinuado dois anos depois. A Federal Trade Commission (FTC) chegou a abrir investigação sobre coleta indevida de dados de menores.
- Falha de criptografia no tráfego Wi-Fi
- Armazenamento de diálogos em servidores terceirizados
- Ausência de controle parental granular
A memória desse fracasso paira sobre a nova parceria. “A Hello Barbie serve de alerta para qualquer implementação de IA voltada a crianças”, pontua Eva Galperin, diretora de cibersegurança da Electronic Frontier Foundation (EFF).
Privacidade, segurança e idade mínima
Embora Mattel e OpenAI enfatizem o conceito de privacy by design, detalhes técnicos ainda são escassos. Sabe-se apenas que os primeiros produtos terão classificação etária de 13+, seguindo a Children’s Online Privacy Protection Act (COPPA) nos EUA e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil. Ainda assim, a retenção obrigatória de registros do ChatGPT, imposta por decisão judicial nos EUA em maio de 2025, pode impactar a política de guarda de conversas em brinquedos conectados.
“Se a OpenAI precisa armazenar logs por obrigação legal, a Mattel terá de provar que esses dados não serão usados para fins de marketing infantil.”
Rafael Zatti, advogado especialista em privacidade
Especialistas recomendam que pais exijam transparência sobre: quem processa o áudio, por quanto tempo os dados são retidos e quais mecanismos existem para exclusão definitiva. Sem essas respostas, o risco de exposição permanece elevado.
Do conceito ao carrinho: IA na linha de produção
Além dos brinquedos voltados aos consumidores, a Mattel planeja usar o ChatGPT Enterprise para acelerar todo o fluxo de trabalho interno: brainstorming de novos personagens, geração automática de roteiros de histórias, redação de instruções de montagem e até análise preditiva de tendências de mercado. “O modelo atuará como copiloto criativo dos nossos designers”, explica Sven Gerjets, CTO da companhia.
- Ideação criativa: prompts de inspiração para novas linhas Barbie e Hot Wheels
- Testes de mercado virtuais: simulação de diálogos entre crianças e protótipos 3D
- Documentação técnica: fichas de segurança geradas automaticamente
Segundo relatório da Deloitte, o uso de IA generativa pode reduzir em até 27 % o tempo de desenvolvimento de um brinquedo complexo, conferindo vantagem competitiva relevante em um setor marcado por margens apertadas.
O que esperar dos próximos lançamentos
Fontes próximas ao projeto indicam que os primeiros produtos com IA devem chegar às prateleiras norte-americanas no final de 2025, começando por um set de veículos Hot Wheels que narra corridas em tempo real e por uma boneca Barbie capaz de contar histórias personalizadas. Ainda não há confirmação sobre distribuição no Brasil, mas a Mattel tradicionalmente traz novidades ao mercado nacional entre três e seis meses após o lançamento nos EUA.
Enquanto isso, concorrentes como LEGO e Hasbro observam de perto. Estudos da Circana preveem que o segmento de brinquedos conectados movidos a IA alcance faturamento global de US$ 3,8 bilhões em 2027, contra US$ 1,2 bilhão em 2024.
Considerações finais
A parceria entre Mattel e OpenAI tem potencial para redefinir a experiência de brincar, mas também reabre o debate sobre o uso de dados de menores e a responsabilidade das gigantes de tecnologia. Se por um lado a IA promete brinquedos mais interativos e personalizados, por outro exige salvaguardas robustas e fiscalização constante. Nos próximos meses, pais, educadores e órgãos reguladores terão a oportunidade – e a obrigação – de testar na prática se a lição da Hello Barbie foi realmente aprendida.