Privacidade em smart TVs: dados x anúncios
DENVER, 18 de junho de 2025 — O ecossistema de smart TVs entrou de vez no negócio da publicidade e para é preciso entender a sua privacidade em smart TVs. De Samsung a LG, passando por Roku, Vizio e até Walmart, praticamente todos os sistemas operacionais de TV apostam em software gratuito e em uma robusta coleta de dados do usuário para turbinar a exibição de anúncios.
Para o consumidor, isso significa uma convivência diária com o dilema: assistir ao conteúdo favorito e, em troca, “pagar” com informações pessoais cada vez mais detalhadas. Neste artigo analisamos como essa engrenagem funciona, por que as fabricantes querem saber até o que você comeu no café da manhã e quais medidas práticas você pode adotar para proteger sua privacidade em smart TVs.
A guerra pelo sofá conectado
Segundo projeções da WPP Media, a receita global de anúncios em TV conectada (CTV) deve atingir US$ 41,8 bilhões em 2025 e saltar para quase US$ 72 bilhões em 2030. Esse crescimento explosivo acontece porque, ao contrário da TV a cabo tradicional, o sistema operacional de uma smart TV consegue identificar perfis, hábitos de visualização e até emoções do espectador. Não à toa, a LG anunciou recentemente um modelo de IA capaz de ajustar a inserção de anúncios com base no humor do usuário.
O vice-presidente de conteúdo da Samsung TV Plus, Takashi Nakano, resumiu o impasse em painel recente no StreamTV Show: enquanto os espectadores rejeitam a ideia de ter cada detalhe de suas vidas monitorado, anunciantes “querem saber exatamente o que você comeu no café da manhã”. Para ele, há um “conflito inerente” entre a experiência do usuário e as exigências do mercado publicitário.
Por que as marcas querem (tanto) seus dados?
- Segmentação cirúrgica — Anúncios entregues a perfis ultra-específicos geram mais cliques e vendas.
- Medição de impacto em tempo real — Métricas como view-through rate mostram se você assistiu, pulou ou interagiu com a peça.
- Ecossistema fechado — O sistema operacional cria um “jardim murado” onde apenas parceiros autorizados anunciam, pagando comissão à fabricante.
Esses fatores tornam o software de TV mais lucrativo que o hardware. Um televisor vendido a margem mínima continua gerando receita durante anos por meio de anúncios, vendas de filmes sob demanda e parcerias de afiliados. Para as empresas, portanto, abrir mão da coleta de dados significaria deixar dinheiro sobre a mesa.
Quando a coleta ultrapassa o limite
Embora a personalização beneficie anunciantes, o volume de informações capturadas levanta bandeira vermelha para especialistas em privacidade. Entre os dados mais contestados estão:
- Identificadores de dispositivo (endereço MAC, número de série);
- Histórico completo de apps e canais acessados;
- Reconhecimento automático de conteúdo (ACR) que decodifica a imagem para saber o que está na tela;
- Sensores de voz e câmera, em modelos mais avançados.
O problema, aponta Nakano, é que nem todo dado coletado vira insight útil. “Estamos inundados de informações que talvez nem precisássemos captar”, afirmou o executivo. Para a ONG Electronic Frontier Foundation (EFF), essa prática cria riscos como venda indevida a corretores de dados, formação de perfis políticos e exposição de menores de idade.
Quem protege o consumidor brasileiro?
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) define que o tratamento de dados pessoais depende de consentimento livre, informado e inequívoco. No contexto das TVs conectadas, porém, muitos usuários simplesmente clicam em “aceitar” para concluir a configuração do aparelho. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) fiscaliza o setor, mas ainda não publicou normas específicas para smart TVs. Enquanto isso, Procons estaduais recebem queixas sobre anúncios invasivos e dificuldade de desativar o rastreio.
Na Europa, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) impôs multas milionárias a plataformas que coletavam dados sem transparência suficiente. Um processo semelhante poderia atingir fabricantes globais que exportam televisores para o mercado europeu.
Como minimizar sua exposição
- Desative o ACR — Nas configurações, procure por “Reconhecimento de conteúdo” ou “Anúncios personalizados” e desligue a função.
- Revise permissões de microfone/câmera — Desligue ou cubra a lente quando não estiver em uso.
- Mantenha o firmware atualizado — Correções de segurança evitam exploração de brechas que poderiam vazar dados.
- Considere um set-top box externo — Apple TV, Chromecast ou Fire TV permitem separar a interface principal do televisor, limitando o alcance de dados.
- Use redes separadas — Crie uma VLAN ou rede de convidados para isolar dispositivos de IoT.
Além da privacidade: experiência de uso em risco
Quando a interface do televisor prioriza anúncios, a navegação tende a ficar poluída e lenta. Pesquisas da consultoria Accenture mostram que 41 % dos consumidores brasileiros consideram “difícil” encontrar o que assistir. A sobrecarga de banners, destaques patrocinados e recomendações pagas interfere na descoberta orgânica de conteúdo, empurrando usuários a soluções alternativas.
É aqui que dispositivos externos como Apple TV ganham relevância: entregam busca universal sem anúncios e, segundo a própria Apple, “rastreiam o mínimo indispensável”. Ainda que a afirmação mereça escrutínio, fica claro que há mercado para interfaces premium que trocam publicidade por um preço mais alto.
O que esperar do futuro próximo
Especialistas apostam em três movimentos principais para os próximos anos:
- Regulação mais dura — Projetos de lei no Congresso dos EUA e novas diretrizes da ANPD devem restringir coleta de dados sensíveis.
- Modelos de assinatura “ad-free” — Assim como serviços de streaming, fabricantes podem oferecer interface sem anúncios por taxa mensal.
- Publicidade contextual — Menos foco no histórico individual e mais na combinação de contexto de conteúdo + hora do dia, minimizando a necessidade de rastreio contínuo.
Considerações finais sobre a privacidade em smart TVs
A batalha entre privacidade e monetização nas smart TVs ainda está longe do fim. Enquanto a indústria busca a segmentação perfeita, cresce a pressão de consumidores, reguladores e até executivos, como Nakano, por soluções que limitem o apetite das marcas. Até lá, cabe ao usuário ficar atento às configurações de privacidade, exigir transparência e, quando possível, escolher dispositivos que coloquem a experiência — e não apenas a publicidade — no centro da sala.
Smart TVs me escutam o tempo todo?
Não. A maioria ativa o microfone apenas ao usar comandos de voz, mas é possível desativar o recurso nas configurações ou cobrir a câmera/microfone para garantir privacidade.
Posso bloquear anúncios na interface da TV?
Alguns modelos permitem desativar anúncios personalizados; outros exigem soluções externas, como set-top boxes ou redes filtradas. Nem todas as marcas oferecem opção de bloqueio total.
Desligar a internet da TV impede coleta de dados?
Sim, sem conexão não há envio de informações, mas você perde recursos de streaming e atualizações. Uma alternativa é usar rede separada ou dispositivo externo com políticas mais claras.